19 de abr. de 2013

TJSP CONFIRMA DECISÃO QUE CONDENOU A PREFEITURA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

Em janeiro de 2012 ingressei com ação contra a Prefeitura de São Bernardo do Campo para obter alguns remédios complementares para o meu tratamento.

A ação foi julgada procedente e a Prefeitura foi condenada a fornecer.

Pois bem. Inconformada a Prefeitura recorreu, porém, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a decisão.

Abaixo reproduzo a brilhante decisão do DD. Desembargador Relator Peiretti de Godoy.

Por isso continuo a afirmar: BUSQUE SEUS DIREITOS.

Muito embora por vezes nos sentimos desanimados pela morosidade da justiça, ainda assim vale a pena.

Não podemos deixar que nossos direitos sejam usurpados em detrimento da escandalosa corrupção que assola do país.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 000320917.2012.8.26.0564, da Comarca de São Bernardo do Campo, em que é apelantePREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO BERNARDO DO CAMPO, é apelado ROGERIO DE SOUSA OLIVEIRA (JUSTIÇA GRATUITA).

ACORDAM, em 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento aos recursos. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BORELLI THOMAZ (Presidente) e RICARDO ANAFE.

São Paulo, 10 de abril de 2013.

Peiretti de Godoy

RELATOR
Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0003209-17.2012.8.26.0564.

APELANTE: PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO BERNARDO DO CAMPO.

APELADO: ROGÉRIO DE SOUSA OLIVEIRA.

RECORRENTE: JUÍZO EX OFFICIO.

Juiz de Direito prolator da sentença: Patrícia Svartman Poyares (1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Bernardo do Campo).

VOTO Nº 20.049

OBRIGAÇÃO DE FAZER MEDICAMENTO Pretensão ao fornecimento gratuito de fármacos a pessoa hipossuficiente e portadora de grave enfermidade (“Mielona Múltiplo” CID 10 C90) DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Responsabilidade solidária dos entes federados (art. 23, II, da CF) AUSÊNCIA DE PADRONIZAÇÃO Admissibilidade Inaplicabilidade da Teoria da Reserva do Possível Manutenção da r. sentença de procedência do pedido Recurso voluntário e reexame necessário desprovidos.

Trata-se de ação pelo rito ordinário, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, proposta por Rogério de Sousa Oliveira, pessoa hipossuficiente e portadora de grave enfermidade (“Mielona Múltiplo” CID 10 C90), em face da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo, em que objetiva a condenação da requerida a proceder ao fornecimento gratuito dos medicamentos: “Lactulona” 10 frascos, “Tamarine” 05 caixas, “Bactrim F” 02 caixas, “Coudamin” 01 caixa, necessários para o tratamento de enfermidade que lhe acomete, conforme indicação de médico responsável, pelo tempo que se fizer necessário ou até que sejam substituídos.

Sobreveio sentença de fls. 76/78, prolatada nos termos do art. 330, inciso I, da Lei Processual Civil, julgando procedente a ação, para condenar a requerida ao fornecimento gratuito dos medicamentos indicados na inicial, enquanto perdurar a necessidade do autor, confirmando a antecipação de tutela deferida às fls. 21. Arbitrados honorários sucumbenciais em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC.

Apela a Municipalidade de São BernAdo do Campo postulando a reforma do decisum singular (fls. 80/88).

Não foram apresentadas contrarrazões de apelação (fls. 90).

É o relatório.

Dada a impossibilidade de quantificar-se o valor da condenação, é necessário o reexame integral da sentença para dar eficácia ao julgado singular (art. 475, inc. I, do Código de Processo Civil).

Trata-se de ação pelo rito ordinário, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, proposta por pessoa hipossuficiente e portadora de grave enfermidade (“Mielona Múltiplo” CID 10 C90), em que objetiva a condenação da ré ao fornecimento gratuito dos medicamentos: “Lactulona” 10 frascos, “Tamarine” 05 caixas, “Bactrim F” 02 caixas, “Coudamin” 01 caixa, necessários para o tratamento de doença que lhe acomete, conforme indicação de médico responsável, pelo tempo que se fizer necessário.

Em que pese entendimeNo contrário, a sentença de procedência do pedido deve ser mantida, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Vejamos.

A concretização do dever de proteção e defesa à saúde foi tema tratado pelo artigo 23, inciso II da Constituição Federal, que estabeleceu tratar-se de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”. Este comando constitucional foi reforçado pelo disposto no artigo 198, caput e § 1º, pois em ambos existe menção direta ou indireta da responsabilidade conjunta dos entes federativos.

Ademais, “... a Constituição alude a sistema único, pressupondo, por evidente, a integração cooperativa de todos os entes federativos para a sua concretização.” (DALLARI, Sueli Gandolfi. JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Direito Sanitário. Ed. Verbatim. São Paulo, 2010. pg. 103).

A responsabilidade conjunta dos entes federativs à prestação de serviços de saúde traduz-se em uma responsabilidade solidária, levando aos cidadãos o direito de escolha, que fica ao seu inteiro critério, do ente público perante o qual deseja demandar.

A solidariedade é expressa, do ponto de vista do cidadão, como afirma Maria Helena Diniz; “o credor esta autorizado a exigir e a receber de um deles a dívida toda; desse modo, fica afastado o princípio concursu parte fiunti, pois cada co-devedor pode ser compelido pagar todo o débito, apesar de ser, em tese, devedor apenas de quota-parte”. (DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. Ed. Saraiva. São Paulo, 1998. pg. 417).

A Lei nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990, regulamenta o SistemaÚnico de Saúde, discriminando o âmbito de atribuição de cada um dos entesfederados, que devem concorrer no incremento do sistema. Apesar da fixação decompetências, a diretriz de descentralização não desonera os demais entes federativos que devem assumir a gestão de ações e recursos da saúde quandohouver descumprimento das obrigações por parte da esfera responsável.

“Tudo isso reafirma, por um lado, a noção de responsabilidade solidária e, por outro lado, a idéia de responsabilidade recíproca entre os entes, de tal modo que aquele que for cobrado por determinada prestação pode deve reclamar a devida compensação da unidade da Federação legalmente responsável pelo desempenho da atenção em saúde reclamada. Pode-se, portanto, afirmar que a nenhum nível de governo é permitido alegar a sua irresponsabilidade.”. (g.n.) (DALLARI, Sueli Gandolfi. JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Direito Sanitário. Ed. Verbatim. São Paulo, 2010. pg. 103).

Nesse sentido, bem consignou o MM. Juízo a quo: “Portarias de como deve ser a distribuição dos medicamentos são louváveis e dignas de aplausos quando “baixadas” para facilitar a disponibilização dos medicamentos e não servir de obstáculo para tanto, até porque, dentro de seu limitado campo de atuação legislativa, não pode alterar competência.” (fls. 102v.).

O art. 196 da Constituição Federal ergue a saúde um direito a todos e dever do Estado. Em harmonia com esse preceito, existem inúmeros dispositivos legais a amparar o direito à vida e à saúde (arts. 6º e 198 da Constituição Federal, art. 223, I e V, da Constituição Estadual, Lei nº 8.080/90, art. 6º, I, “d”).

Como amplamente sabido, o direito à saúde deve ser garantido pelo Estado (sentido amplo) de forma irrestrita, inclusive com o fornecimento gratuito de medicamentos, a portadores de doenças que deles necessitem, desde que prescritos por profissional habilitado.

Inexiste ofensa ao princípio da independência dos Poderes. O Estado não pode recusar o cumprimento de seu dever, sob a alegação de ausência de recursos orçamentários ou por se tratar, como querem alguns, de normas programáticas, cuja aplicação dependa de planos ou programas de atuação governamental.

Nessa esteira é a atual jurisprudência da Corte Superior:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. DIGNIDADE HUMANA.

1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento. Precedentes: RMS 17449/MG DJ 13.02.2006; RMS 17425/MG, DJ 22.11.2004; RMS 13452/MG, DJ 07.10.2002.
2. O cunho impositivo da norma insculpida no art. 196, da Carta Magna, aliado ao caráter de urgência e à efetiva distribuição da droga pela Secretaria de Saúde, determinam a obrigatoriedade do fornecimento, pelo Estado, da medicação requerida.
3. As normas burocráticas não podem ser erguidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte do cidadão carente, em especial, quando comprovado que a medicação anteriormente aplicada não surte o efeito desejado, apresentando o paciente agravamento em seu quadro clínico. Precedente: RMS 17903/MG. Relator Ministro CASTRO MEIRA. DJ 20.09.2004.
4. Recurso ordinário provido. (STJ ROMS 20335/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, j, 10/04/2007 , publ. DJ 07/05/2007, p. 276).” A saúde é direito público subjetivo e não pode estar condicionada a programas do governo.

Cumpre consignar que não se trata de discricionariedade da Administração, mas sim de ato estritamente vinculado, uma vez que ao Poder Público é imposto o dever de prestar ampla assistência médica e farmacêutica aos que necessitam.

Ora, se o Sistema Público de Saúde (SUS) não possui recursos para oferecer ou adquirir o referido tratamento, tal escusa não pode ser imputada ao autor, pois se trata de problema do Estado-Administração, face ao descaso com a saúde pública, fato este notório e que dispensa qualquer tipo de comentário no tocante ao cenário em que se encontra a saúde pública em nosso país.

Não há que se falar em aplicação da Teoria da Reserva do Possível em questões da vida e da saúde humana, por serem bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro plano.

Esse é o entendimento dos Colendos Tribunais Superiores:

(...) Tem prevalecido no STJ o entendimento de que é possível, com aparo no art. 461, § 5º, do CPC, o bloqueio de verbas públicas para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Estado.
(...) Embora venha o STF adotando a "Teoria da Reserva do Possível" em algumas hipóteses, em matéria de preservação dos direitos à vida e à saúde, aquela Corte não aplica tal entendimento, por considerar que ambos são bens máximos e impossíveis de ter sua proteção postergada (STJ. Recurso Especial nº 784.241 / T2. RS. Rel. Min. Eliana Calmon. Julg. 08/04/08). Havendo indicação de uso dos medicamentos por médico que assiste ao paciente, não há fundamento legal para, com base em protocolo disciplinador de generalidades, afastar-se a obrigação do seu fornecimento, quando existe prescrição médica, presunção de idoneidade técnica e veracidade, sobre a necessidade deles. Ademais, somente o médico responsável pelo tratamento da requerente tem responsabilidade e competência para prescrever os tratamentos médicos mais adequados.

Diante da comprovação da hipossuficiência econômica do autor, o Estado, ao negar a proteção perseguida nas circunstâncias dos autos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, humilha a cidadania, descumpre o seu dever constitucional e ostenta prática violenta de atentado à dignidade humana e à vida, tornando-se, assim totalitário e insensível.

In casu, a melhor possibilidade para o paciente, extraída dos fatos descritos, é o fornecimento dos medicamentos indicado por médico que lhe assiste, apresentando-se o binômio “direito do cidadão e dever do Estado”.

Ante o exposto, mantenho a r. sentença de procedência do pedido, por seus próprios e jurídicos fundamentos, para condenar a requerida a fornecer ao autor os fármacos “Lactulona”, “Tamarine”, “Bactrim F” e “Coudamin”, indicados em receita médica (fls. 16), de forma contínua, enquanto perdurar a necessidade de consumo, nos moldes e posologia indicados, facultada a substituição por genérico, ressalvada a existência de óbices constantes de prescrição médica.

Ressalve-se que é de responsabilidade do paciente, familiar e/ou responsável comunicar à Unidade Básica de Saúde (UBS) dispensadora do medicamento requerido os casos de suspensão do tratamento medicamentoso, intolerância ao fármaco, substituição medicamentosa, mudança de endereço e óbito do paciente, bem como devolver o produto excedente, sob pena de ser-lhes cobrado o valor referente ao produto.

Para efeito de eventual prequestionamento, importa registrar que a presente decisão apreciou as questões postas no presente recurso sem violar a Constituição Federal ou qualquer lei infraconstitucional.

Recurso voluntário e reexame necessário desprovidos.

PEIRETTI DE GODOY
Relator

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