Em janeiro de 2012 ingressei com ação contra a Prefeitura de São Bernardo do Campo para obter alguns remédios complementares para o meu tratamento.
A ação foi julgada procedente e a Prefeitura foi condenada a fornecer.
Pois bem. Inconformada a Prefeitura recorreu, porém, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a decisão.
Abaixo reproduzo a brilhante decisão do DD. Desembargador Relator Peiretti de Godoy.
Por isso continuo a afirmar: BUSQUE SEUS DIREITOS.
Muito embora por vezes nos sentimos desanimados pela morosidade da justiça, ainda assim vale a pena.
Não podemos deixar que nossos direitos sejam usurpados em detrimento da escandalosa corrupção que assola do país.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos
estes autos do Apelação nº 000320917.2012.8.26.0564, da Comarca de São Bernardo
do Campo, em que é apelantePREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO BERNARDO DO CAMPO, é
apelado ROGERIO DE SOUSA OLIVEIRA (JUSTIÇA GRATUITA).
ACORDAM, em 13ª Câmara de Direito
Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
"Negaram provimento aos recursos. V. U.", de conformidade com o voto
do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação
dos Exmos. Desembargadores BORELLI THOMAZ (Presidente) e RICARDO ANAFE.
São Paulo, 10 de abril de 2013.
Peiretti de Godoy
RELATOR
Assinatura Eletrônica
APELAÇÃO CÍVEL Nº.
0003209-17.2012.8.26.0564.
APELANTE: PREFEITURA MUNICIPAL DE
SÃO BERNARDO DO CAMPO.
APELADO: ROGÉRIO DE SOUSA
OLIVEIRA.
RECORRENTE: JUÍZO EX OFFICIO.
Juiz de Direito prolator da
sentença: Patrícia Svartman Poyares (1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de
São Bernardo do Campo).
VOTO Nº 20.049
OBRIGAÇÃO DE FAZER MEDICAMENTO Pretensão
ao fornecimento gratuito de fármacos a pessoa hipossuficiente e portadora de
grave enfermidade (“Mielona Múltiplo” CID 10 C90) DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E
À SAÚDE ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Responsabilidade solidária dos entes
federados (art. 23, II, da CF) AUSÊNCIA DE PADRONIZAÇÃO Admissibilidade Inaplicabilidade
da Teoria da Reserva do Possível Manutenção da r. sentença de procedência do
pedido Recurso voluntário e reexame necessário desprovidos.
Trata-se de ação pelo rito
ordinário, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, proposta
por Rogério de Sousa Oliveira, pessoa hipossuficiente e portadora de grave
enfermidade (“Mielona Múltiplo” CID 10 C90), em face da Prefeitura Municipal de
São Bernardo do Campo, em que objetiva a condenação da requerida a proceder ao
fornecimento gratuito dos medicamentos: “Lactulona” 10 frascos, “Tamarine” 05
caixas, “Bactrim F” 02 caixas, “Coudamin” 01 caixa, necessários para o
tratamento de enfermidade que lhe acomete, conforme indicação de médico
responsável, pelo tempo que se fizer necessário ou até que sejam substituídos.
Sobreveio sentença de fls. 76/78,
prolatada nos termos do art. 330, inciso I, da Lei Processual Civil, julgando
procedente a ação, para condenar a requerida ao fornecimento gratuito dos
medicamentos indicados na inicial, enquanto perdurar a necessidade do autor,
confirmando a antecipação de tutela deferida às fls. 21. Arbitrados honorários
sucumbenciais em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC.
Apela a Municipalidade de São
BernAdo do Campo postulando a reforma do decisum singular (fls. 80/88).
Não foram apresentadas
contrarrazões de apelação (fls. 90).
É o relatório.
Dada a impossibilidade de
quantificar-se o valor da condenação, é necessário o reexame integral da
sentença para dar eficácia ao julgado singular (art. 475, inc. I, do Código de
Processo Civil).
Trata-se de ação pelo rito
ordinário, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional,
proposta por pessoa hipossuficiente e portadora de grave enfermidade (“Mielona
Múltiplo” CID 10 C90), em que objetiva a condenação da ré ao fornecimento
gratuito dos medicamentos: “Lactulona” 10 frascos, “Tamarine” 05 caixas,
“Bactrim F” 02 caixas, “Coudamin” 01 caixa, necessários para o tratamento de
doença que lhe acomete, conforme indicação de médico responsável, pelo tempo
que se fizer necessário.
Em que pese entendimeNo
contrário, a sentença de procedência do pedido deve ser mantida, por seus
próprios e jurídicos fundamentos. Vejamos.
A concretização do dever de
proteção e defesa à saúde foi tema tratado pelo artigo 23, inciso II da
Constituição Federal, que estabeleceu tratar-se de competência comum da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “cuidar da saúde e
assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de
deficiência”. Este comando constitucional foi reforçado pelo disposto no artigo
198, caput e § 1º, pois em ambos existe menção direta ou indireta da
responsabilidade conjunta dos entes federativos.
Ademais, “... a Constituição
alude a sistema único, pressupondo, por evidente, a integração cooperativa de
todos os entes federativos para a sua concretização.” (DALLARI, Sueli Gandolfi.
JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Direito Sanitário. Ed. Verbatim. São Paulo, 2010.
pg. 103).
A responsabilidade conjunta dos
entes federativs à prestação de serviços de saúde traduz-se em uma
responsabilidade solidária, levando aos cidadãos o direito de escolha, que fica
ao seu inteiro critério, do ente público perante o qual deseja demandar.
A solidariedade é expressa, do
ponto de vista do cidadão, como afirma Maria Helena Diniz; “o credor esta
autorizado a exigir e a receber de um deles a dívida toda; desse modo, fica
afastado o princípio concursu parte fiunti, pois cada co-devedor pode ser
compelido pagar todo o débito, apesar de ser, em tese, devedor apenas de
quota-parte”. (DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. Ed. Saraiva. São
Paulo, 1998. pg. 417).
A Lei nº. 8.080, de 19 de
setembro de 1990, regulamenta o SistemaÚnico de Saúde, discriminando o
âmbito de atribuição de cada um dos entesfederados, que devem concorrer no
incremento do sistema. Apesar da fixação decompetências, a diretriz de
descentralização não desonera os demais entes federativos que devem assumir a
gestão de ações e recursos da saúde quandohouver descumprimento das
obrigações por parte da esfera responsável.
“Tudo isso reafirma, por um lado,
a noção de responsabilidade solidária e, por outro lado, a idéia de
responsabilidade recíproca entre os entes, de tal modo que aquele que for
cobrado por determinada prestação pode deve reclamar a devida compensação da
unidade da Federação legalmente responsável pelo desempenho da atenção em saúde
reclamada. Pode-se, portanto, afirmar que a nenhum nível de governo é permitido
alegar a sua irresponsabilidade.”. (g.n.) (DALLARI, Sueli Gandolfi. JÚNIOR,
Vidal Serrano Nunes. Direito Sanitário. Ed. Verbatim. São Paulo, 2010. pg.
103).
Nesse sentido, bem consignou o
MM. Juízo a quo: “Portarias de como deve ser a distribuição dos medicamentos
são louváveis e dignas de aplausos quando “baixadas” para facilitar a
disponibilização dos medicamentos e não servir de obstáculo para tanto, até
porque, dentro de seu limitado campo de atuação legislativa, não pode alterar
competência.” (fls. 102v.).
O art. 196 da Constituição
Federal ergue a saúde um direito a todos e dever do Estado. Em harmonia com
esse preceito, existem inúmeros dispositivos legais a amparar o direito à vida
e à saúde (arts. 6º e 198 da Constituição Federal, art. 223, I e V, da
Constituição Estadual, Lei nº 8.080/90, art. 6º, I, “d”).
Como amplamente sabido, o direito
à saúde deve ser garantido pelo Estado (sentido amplo) de forma irrestrita,
inclusive com o fornecimento gratuito de medicamentos, a portadores de doenças
que deles necessitem, desde que prescritos por profissional habilitado.
Inexiste ofensa ao princípio da
independência dos Poderes. O Estado não pode recusar o cumprimento de seu
dever, sob a alegação de ausência de recursos orçamentários ou por se tratar,
como querem alguns, de normas programáticas, cuja aplicação dependa de planos
ou programas de atuação governamental.
Nessa esteira é a atual
jurisprudência da Corte Superior:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO
ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DIREITO FUNDAMENTAL
À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. DIGNIDADE HUMANA.
1. A ordem constitucional
vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que
deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados
não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz,
capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento. Precedentes: RMS 17449/MG DJ
13.02.2006; RMS 17425/MG, DJ 22.11.2004; RMS 13452/MG, DJ 07.10.2002.
2. O cunho impositivo da norma
insculpida no art. 196, da Carta Magna, aliado ao caráter de urgência e à
efetiva distribuição da droga pela Secretaria de Saúde, determinam a
obrigatoriedade do fornecimento, pelo Estado, da medicação requerida.
3. As normas burocráticas não
podem ser erguidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por
parte do cidadão carente, em especial, quando comprovado que a medicação
anteriormente aplicada não surte o efeito desejado, apresentando o paciente
agravamento em seu quadro clínico. Precedente: RMS 17903/MG. Relator Ministro
CASTRO MEIRA. DJ 20.09.2004.
4. Recurso ordinário provido.
(STJ ROMS 20335/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, j, 10/04/2007 , publ. DJ
07/05/2007, p. 276).” A saúde é direito público subjetivo e não pode estar
condicionada a programas do governo.
Cumpre consignar que não se trata
de discricionariedade da Administração, mas sim de ato estritamente vinculado,
uma vez que ao Poder Público é imposto o dever de prestar ampla assistência
médica e farmacêutica aos que necessitam.
Ora, se o Sistema Público de Saúde
(SUS) não possui recursos para oferecer ou adquirir o referido tratamento, tal
escusa não pode ser imputada ao autor, pois se trata de problema do
Estado-Administração, face ao descaso com a saúde pública, fato este notório e
que dispensa qualquer tipo de comentário no tocante ao cenário em que se
encontra a saúde pública em nosso país.
Não há que se falar em aplicação
da Teoria da Reserva do Possível em questões da vida e da saúde humana, por
serem bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro plano.
Esse é o entendimento dos
Colendos Tribunais Superiores:
(...) Tem prevalecido no STJ o
entendimento de que é possível, com aparo no art. 461, § 5º, do CPC, o bloqueio
de verbas públicas para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Estado.
(...) Embora venha o STF adotando
a "Teoria da Reserva do Possível" em algumas hipóteses, em matéria de
preservação dos direitos à vida e à saúde, aquela Corte não aplica tal
entendimento, por considerar que ambos são bens máximos e impossíveis de ter
sua proteção postergada (STJ. Recurso Especial nº 784.241 / T2. RS. Rel. Min.
Eliana Calmon. Julg. 08/04/08). Havendo indicação de uso dos medicamentos por
médico que assiste ao paciente, não há fundamento legal para, com base em
protocolo disciplinador de generalidades, afastar-se a obrigação do seu
fornecimento, quando existe prescrição médica, presunção de idoneidade técnica
e veracidade, sobre a necessidade deles. Ademais, somente o médico responsável
pelo tratamento da requerente tem responsabilidade e competência para
prescrever os tratamentos médicos mais adequados.
Diante da comprovação da
hipossuficiência econômica do autor, o Estado, ao negar a proteção perseguida
nas circunstâncias dos autos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à
saúde, humilha a cidadania, descumpre o seu dever constitucional e ostenta
prática violenta de atentado à dignidade humana e à vida, tornando-se, assim
totalitário e insensível.
In casu, a melhor possibilidade
para o paciente, extraída dos fatos descritos, é o fornecimento dos
medicamentos indicado por médico que lhe assiste, apresentando-se o binômio
“direito do cidadão e dever do Estado”.
Ante o exposto, mantenho a r.
sentença de procedência do pedido, por seus próprios e jurídicos fundamentos,
para condenar a requerida a fornecer ao autor os fármacos “Lactulona”, “Tamarine”,
“Bactrim F” e “Coudamin”, indicados em receita médica (fls. 16), de forma
contínua, enquanto perdurar a necessidade de consumo, nos moldes e posologia
indicados, facultada a substituição por genérico, ressalvada a existência de
óbices constantes de prescrição médica.
Ressalve-se que é de
responsabilidade do paciente, familiar e/ou responsável comunicar à Unidade
Básica de Saúde (UBS) dispensadora do medicamento requerido os casos de
suspensão do tratamento medicamentoso, intolerância ao fármaco, substituição
medicamentosa, mudança de endereço e óbito do paciente, bem como devolver o
produto excedente, sob pena de ser-lhes cobrado o valor referente ao produto.
Para efeito de eventual
prequestionamento, importa registrar que a presente decisão apreciou as
questões postas no presente recurso sem violar a Constituição Federal ou qualquer
lei infraconstitucional.
Recurso voluntário e reexame
necessário desprovidos.
PEIRETTI DE GODOY
Relator
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