A jornalista Camila Galvez foi a fundo nesta brilhante reportagem.
Parabéns Camila e toda a equipe do Diário do Grande ABC que participou da matéria.
Pacientes
diagnosticados com mieloma múltiplo, segundo tipo de câncer de sangue
com maior incidência e que não tem cura, enfrentam dificuldades para
obter o medicamento lenalidomida no País, até mesmo por vias judiciais.
Em dezembro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) negou o
registro do Revlimid, solicitado pela indústria farmacêutica Zodiac.
Com isso, torna-se complicado importar o remédio, como é feito nos casos
em que o paciente entra na Justiça para garantir o tratamento.
Essa é a situação do advogado de São Bernardo Rogério de Sousa
Oliveira, 43 anos, que convive com a doença desde 2010. Em dezembro,
Oliveira entrou com ação na Fazenda Pública do Estado para solicitar o
remédio, indicado porque seu sangue já começa a apresentar novamente
traços do mieloma. O juiz determinou que a Secretaria de Estado da Saúde
fornecesse o remédio, mas, seis meses depois, o medicamento ainda não
chegou. “Se precisasse com urgência, morria.”
A Pasta informou que o prazo para a chegada da substância era o fim
de maio, mas ainda seria necessária vistoria da Anvisa para que fosse
disponibilizada.
O advogado passou pela fase inicial do tratamento, que inclui
quimioterapia associada à talidomida, amplamente utilizada no SUS
(Sistema Único de Saúde) e na rede privada. Para pacientes de até 70
anos e com condições de saúde favoráveis, é indicado o autotransplante
de medula óssea, que ele realizou há um ano. Quando a doença retorna,
porém, a única opção autorizada no País é o uso do bortezomibe,
fornecido apenas por alguns planos de saúde. A lenalidomida, que tem
menos efeitos colaterais, não pode ser comercializada aqui.
O paciente acredita que o custo é um dos fatores que impedem a
vinda do medicamento. “Uma caixa, que dá para um mês de tratamento,
custa R$ 20 mil. Mas quanto custa tratar os pacientes da forma errada?”,
questiona.
A IMF (Fundação Internacional do Mieloma, na sigla em inglês)
estima que há 20 mil novos casos de mieloma múltiplo no mundo
anualmente. A lenalidomida é utilizada em cerca de 80 países, além de
outros remédios cujas indústrias sequer cogitaram trazer para o Brasil,
diante da negativa da Anvisa para o Revlimid.
INTERRUPÇÕES
Mesmo quem obtém o medicamento na Justiça tem dificuldade para
manter o tratamento. É o caso da aposentada Marlene Celestino Gonçalves,
61, que conseguiu em fevereiro o remédio por via judicial com a
Secretaria de Saúde de São Bernardo, cidade onde vive. Quando precisou
trocar a substância de 10 mg pela de 25 mg, já que a doença não estava
regredindo, Marlene foi obrigada a interromper o tratamento por um mês.
“Foi muito angustiante. Precisei passar por psiquiatra para me acalmar.”
Marlene convive com o mieloma há seis anos, e já passou por dois
autotransplantes. O segundo, realizado em setembro, controlou a doença
por pouco tempo. “Entrei em depressão quando descobri que o problema
tinha voltado. Não tem coisa melhor que viver, mas a gente só descobre
isso quando é diagnosticado com uma doença sem cura.”
Agora, Marlene espera o resultado de exames para verificar se o período em que ficou sem o remédio prejudicou o tratamento.
Sem aprovação, importação é morosa, diz especialista
A importação do Revlimid para pacientes que entram com pedido na
Justiça é dificultada pela negativa da Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária) em aprovar a lenalidomida no Brasil.
Para o professor adjunto de Hematologia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro e diretor da Associação Brasileira de Hematologia,
Hemoterapia e Terapia Celular, Angelo Maiolino, o processo ficou mais
complexo e rigoroso. “Todos saem perdendo. Não aprovar o medicamento é
negar a ampliação da sobrevida para pacientes que voltam a apresentar
sintomas da doença após o tratamento convencional.”
Para o especialista, o Brasil precisa de agências reguladoras, mas o
tempo de aprovação deve ser diminuído. “Nos Estados Unidos, por
exemplo, há outros três medicamentos aprovados para reincidências da
doença. No Brasil, nem a lenalidomida chegou.”
Maiolino acredita que o paciente acaba recorrendo à Justiça apenas
nas últimas recaídas, quando nada mais controla a doença. “Nesse tempo
que transcorreu, o Estado pagou valor alto de outras medicações e
autotransplantes. É perda de dinheiro e não se tem o efeito desejado,
que é ampliar a sobrevida.”
Estudos clínicos mundiais apontam que a lenalidomida triplica os
anos de vida do portador de mieloma, segundo o hematologista. A demora
na descoberta da doença também é uma das causas da baixa expectativa de
vida no Brasil. Hoje, levam-se em média dois anos para o diagnóstico. Os
sintomas mais comuns são dor na região lombar e fraqueza associada à
presença de anemia.
Agência reguladora rejeita comparação da substância com placebo
A justificativa da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária) para negar a liberação do Revlimid é o fato de o pedido de
registro da Zodiac estar baseado em estudo comparativo do remédio com
placebo, e não com outro medicamento de igual efeito.
Além disso, debilidades no plano de minimização de riscos também
foram causas apontadas pela agência, já que o remédio pode causar má
formação fetal no caso de uso em pacientes grávidas.
Para o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Angelo
Maiolino, a alegação sobre os riscos para fetos é absurda. “O mieloma é
uma doença que atinge pessoas idosas e em idade não fértil. Mesmo assim,
caso mulheres mais jovens forem diagnosticadas com o problema, basta
que o médico indique o uso de dois métodos contraceptivos para garantir
que não haverá gravidez no período.”
A Zodiac informa que desde que o registro foi submetido à
aprovação, em novembro de 2008, não poupou esforços para cumprir todas
as exigências e solicitações feitas pela Anvisa. No entanto, o dossiê
utilizado para registrar o Revlimid em mais de 80 países não foi
considerado suficiente para o registro no Brasil, conforme a empresa.
A fabricante foi questionada se entraria com outro pedido, já que
pode fazer isso a qualquer momento, mas se limitou a informar que fará
“todo possível para disponibilizar o Revlimid aos pacientes
brasileiros”.
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