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Em 1 ano e meio, pacientes entraram com 24 mil ações em busca de remédio
Em 2013 e 2014, a Justiça Federal recebeu 24,1 mil ações de pessoas que
tentavam obter remédios. O levantamento foi realizado pela Advocacia
Geral da União (AGU) a pedido do GLOBO. Os números incluem, na maioria
dos casos, demandas por remédios de alto custo que não são oferecidos
pelo SUS, mas também casos em que um usuário do SUS não consegue um
medicamento que a rede pública deveria oferecer.
No Distrito Federal e no Piauí, por exemplo, o número de demandas
judiciais para obtenção de remédios este ano já ultrapassa o número de
todo o ano passado. O quadro é mais um aspecto do acesso a medicamentos
no país, tema de uma série de reportagens do GLOBO que começou domingo.
Segundo a AGU, ano passado 15.411 ações foram ajuizadas para obtenção
de medicamentos; este ano, até 31 de julho, já são 8.768 processos
ajuizados.
Se, em 2013, o DF teve 2.016 processos em busca de remédios, este ano
esse número já é de 2.024. No Piauí, que em 2013 somou 27 ações, este
ano o número já está em 66. Os dados são de processos nas 1ª e 2ª
instâncias da Justiça Federal, e incluem ações ajuizadas por pessoas
físicas e pelo Ministério Público Federal.
INTERNADO À ESPERA DE UMA SENTENÇA
Em auditorias nas capitais em 2013 e 2014, o Denasus, órgão de controle
do SUS, também encontrou casos em que a falta de remédio foi parar na
Justiça. Em Cuiabá, auditoria de fevereiro deste ano verificou “aumento
de despesas realizadas com recursos da Saúde, em atendimento aos
mandados judiciais e/ou liminares”. O gasto subiu de R$ 268,2 mil, em
2010, para R$ 832,7 mil, em 2012.
Ao Denasus, a Secretaria de Saúde de Cuiabá disse que o aumento das
liminares tem ocorrido por razões como “acesso facilitado ao
Judiciário”. O órgão informou que, em reunião em 2013 do Comitê
Executivo Estadual, deliberou-se “a adequação das ordens judiciais,
devendo vir com a justificativa da urgência” e “devidamente instruídas
com exames, laudos, receituários e pedidos de internação”.
Em Salvador, no Hospital Santo Antônio, entidade das Obras Sociais Irmã
Dulce conveniada ao SUS, auditoria do ano passado apontou que
medicamentos usados na oncologia (que, segundo a assessoria de imprensa
do hospital, funciona em parceria com a Secretaria estadual de Saúde)
“não constam no protocolo do SUS e dependem de ação judicial para
liberação”. É o que o relatório chama de “judicialização do direito à
saúde”, o que “retarda o tratamento dos usuários”. O hospital não
apresentou justificativa ao Denasus; ao jornal, pediu mais tempo para
resposta.
No Mato Grosso do Sul, auditoria do Denasus com base em visitas no ano
passado à Associação Beneficente de Campo Grande, a Santa Casa de Campo
Grande, apontou falta de remédios e citou o caso de um paciente da
ortopedia que, após cirurgia, estava “hospitalizado devido à necessidade
de uso, por seis meses, de medicamento para tratamento de osteomielite
(...). Como tal medicamento não é disponibilizado pelo SUS, o mesmo
acionou a Justiça e aguarda sentença judicial para obtenção do fármaco,
para retornar a seu domicílio, na cidade de Sidrolândia”.
O Denasus recomenda à Associação buscar “junto ao poder público
alternativa para acesso de usuários que necessitem tratamento
medicamentoso”. A Associação não deu justificativa ao Denasus, e pediu
tempo para responder ao jornal.
Em Palmas, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que, ano
passado, foram “mais de 320 ações envolvendo a prestação deficitária ou
inexistente do poder público aos usuários”.
"Fazemos uma série de ações coletivas. Em alguns lugares, não tem
dipirona. Fiz inspeção no Hospital Geral de Palmas, e nem antibiótico
tinha", conta o defensor público Arthur Marques. "O juiz manda comprar o
remédio, o estado não cumpre. Por dia, a gente fez de 5 a 10 bloqueios
na conta da secretaria para isso. O correto seria o estado licitar, mas
ou bloqueia a verba ou a pessoa morre."
A Secretaria de Saúde de Tocantins informou que “está à disposição da
Justiça para prestar todos os esclarecimentos” e que “forneceu senhas
para servidores do Ministério Público e da Defensoria para acesso ao
sistema de compras”.
Em Sergipe, o TCU constatou que, segundo a Defensoria, a maior parte
das demandas para remédios é relativa a “glaucoma, esquizofrenia,
hepatite C e quimioterapia”. Segundo a Defensoria, até julho, só no
Núcleo de Saúde, 350 ações foram ajuizadas na área.
“FIQUEI COM MEDO DE ESPERAR”
Com hepatite C, Ruy Carlos Almeida procurou a Defensoria em Sergipe ano
passado. Precisava recomeçar o tratamento: o vírus, após ter
“negativado”, voltou:
"Fiquei com medo de esperar. Os casos mais urgentes receberiam antes o
telaprevir. Em outubro, comecei a receber o remédio e não fiquei mais
sem."
"Tentamos diversas vezes contato com as secretarias estadual e
municipal, para evitar o aumento da demanda (judicial), mas isso se
tornou infrutífero", diz o coordenador do Núcleo de Saúde, o defensor
Murilo de Souza e Silva.
A Secretaria de Saúde de Sergipe afirmou que, “apesar de obrigar o
cumprimento pelo estado, a maior parte (dos pedidos ) é de
responsabilidade dos municípios”. A secretaria disse que, no Centro de
Atenção à Saúde, mais da metade da despesa é fruto de demandas
judiciais. Segundo o órgão, em 2012 “R$ 10 milhões foram para demandas
processuais individuais para menos de mil usuários”.
"As demandas judiciais são hoje um dos grandes entraves na Saúde,
porque é uma despesa fora da previsão e do planejamento. Seria preciso
que as decisões viessem com orientação de onde os recursos serão
tirados; caso contrário, é uma bola de neve", diz a secretária de Saúde
de Sergipe, Joélia Silva Santos.
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