Bom dia, hoje posto o relato de Gimeni
Alkmim, de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Grande guerreira e exemplo de superação.
Este relato também reforça minha batalha
na divulgação e conscientização sobre o mieloma múltiplo.
Gimeni, agradeço a colaboração.
Abraço.
Tenho Mieloma Múltiplo, um câncer na medula óssea. Tive meu
diagnóstico ao completar 44 anos de idade, em junho de 2009, após anos sofrendo
com uma anemia que me tirava toda a energia, mas que os médicos não
pesquisavam. Fiquei anos sofrendo, me sentia cansada, sem energia, cada
vez mais enfraquecida. Os médicos diziam que minha anemia era leve, não muito
preocupante, e que era "coisa do meu organismo", “uma medula
preguiçosa". Como eu não me sentia bem, estava constantemente indo
aos médicos, com o tempo, o diagnóstico "perverso" era de paciente
poliqueixosa.
Queixas que não eram investigadas, minha médica, Clínica
Geral, sugeria amigavelmente, que minha fadiga e constantes gripes,
gastrites, enxaquecas, sinusites, e cansaço, eram manifestações psicossomáticas.
Até os meus vinte e dois anos de idade, eu
era outra pessoa, trabalhava, muito, fazia ballet, cuidava de minha casa,
estava sempre pronta para qualquer atividade. Acordava ainda de madrugada para trabalhar,
e me sentia sempre bem disposta. Aos vinte e dois anos, minha energia começou a
esgotar-se.
Lembro-me bem minha idade, pois foi quando parei com o ballet,
comecei a me sentir muito cansada e meu emprego, na época, que eu gostava
muito, passou a ser um fardo para mim. Começaram então os problemas de saúde,
dores horríveis no estomago, as endoscopias relatavam gastrite estomacal,
esofagite, hérnia, em 1994, uma hemorragia digestiva. Aos vinte e três, sofri
um aborto espontâneo, de uma gravidez não planejada, mas muito bem vinda, não
tive maiores complicações fisiológicas, e as dificuldades emocionais advindas
deste acontecimento, foram resolvidas com o tempo. Paralelamente, episódios de
sinusite, que eram freqüentes e cada vez mais severos, em 1998 um episódio
severo, que me deixou em casa, de atestado médico por uma semana, com muita
febre (alta) e fraqueza. As gripes eram freqüentes, todo mês, em alguns
períodos, duas vezes ao mês. Uma colega de faculdade, um dia ao se despedir, ao
final de um semestre, me disse um tanto quanto incomodada: “vê se vai ao
médico, suas gripes são intermináveis”. Eu ia aos médicos, eu tentava me
cuidar. Eu, também, fazia análise, e ficava constrangida, não só perante a
médica Clínica Geral, como também, perante a minha psicanalista, pois estava
sempre doente, mas nada grave, e tudo levava a crer que era de fundo emocional,
“psicossomático”. Era MUITO sofrido para mim, eu me sentia fraca, sem
vitalidade, faltava energia para tudo. Preguiçosa, indolente, neurótica? Eu me
sentia doente, e me sentia culpada por isto. Estaria eu, querendo estar doente,
para justificar minha falta de energia, que poderia ser uma falta de vontade?
Eu me sentia só, sozinha na minha fraqueza. Apenas o Gou, meu marido, via meu
estado e compreendia que não era indolência de minha parte.
No ano de 2000, comecei a sentir fortes dores
nas costas, decidi que não comentaria com minha psicanalista e nem iria ao
médico. Eu estava saindo de uma crise de gastrite muito forte, que mais uma
vez, me levou a fazer endoscopia, tomar remédios, etc. Como dizer que eu estava
como mais uma, nova dor? Fiquei sentindo a dor por uma semana, doía cada dia
mais, quando eu entrava debaixo do chuveiro a dor era horrível, parecia que
minha pele estava machucada. Mas eu estava decidida a não me queixar para ninguém,
não agüentava mais aquele olhar de desconfiança, aqueles comentários,
insatisfeitos e desconfiados, sobre minha eterna saúde frágil. Para minha sorte
eu tinha uma consulta, de controle semestral, com minha ginecologista. Ao
começar a consulta disse que estava bem, e que era só uma consulta de rotina,
porém na noite anterior havia tido febre, que eu pensava ser uma gripe
chegando. Ao me examinar, a ginecologista percebeu, entre meus seios, pequenas
bolhas, que haviam surgido naquela manhã. Logo, somou as bolhas à febre, olhou
minhas costas, percebeu que também tinham as mesmas bolhas, e me disse que eu
estava com herpes zoster. Fui no mesmo dia a uma dermatologista, e ela me
perguntou se eu não sentia dores nas costas, enfim, falei para alguém da dor, que
me acompanhava fazia uma semana. Nessa época, eu já não acreditava em meus
sintomas, era tanta dor de cabeça, quinzenais e em certos períodos semanais,
gripes, sinusites, gastrites, eu já não acreditava em mim, tinha vergonha de me
sentir tão fraca, e medo que me julgassem preguiçosa. Ficava tentando provar
que não era uma pessoa indolente, me justificava por estar sempre muito
cansada, e me sentia constrangida, por perceber que não tinha a mesma
disposição e energia que outras mulheres da minha idade. O Gou era a única
pessoa que não tinha um olhar e uma escuta crítica, diante de minha pouca
energia. Em 2004, pensando estar sobre forte crise de estresse, cheguei a
perder parte das sobrancelhas, os pêlos caíram, procurei outro médico – também
Clínico Geral, em busca de um diagnóstico diferenciado. Este me encaminhou para
uma hematologista, que na época detectou, para além da anemia, baixa de
vitamina B12. Esta receitou Citoneurim (comprimidos - 2 caixas), após termino
da medicação, a vitamina B12 voltou aos índices normais, e a anemia melhorou.
Seis meses depois, voltei para uma consulta, taxas de vitamina B12 normais, e
novamente anêmica. Quando perguntei se era normal estar sempre anêmica, a
hematologista, disse ser “coisa própria do organismo”, “uma medula preguiçosa”.
Tantas vezes, pensei, em frente à médica, em sugerir que solicitasse exames
para dosar as proteínas no sangue, ou para investigar minha medula. Afinal, de
onde vinha aquela fraqueza, se minha anemia não era “importante”, apesar de
contínua? Não poderia haver outro motivo? Mas eu não sugeria, não tinha
coragem, afinal, eu estava sempre com tantas queixas, que poderia parecer
hipocondria de minha parte. Deste período em diante, passei a fazer consultas
mais freqüentes (de seis em seis meses – e quando necessário de quatro em
quatro) com minha médica de origem - Clínica Geral, para controlar a taxa de
B12 e a anemia. O quadro se repetia, normalizava a B12 com Citoneurim, uso
oral, e a anemia tinha pouca melhora. As dores de cabeça tornaram-se mais
fortes, além de quinzenais, também, me deixavam incapacitada por três ou quatro
dias, trabalhar naquela situação era um tormento.
A caminho do diagnóstico: comigo foi assim.
Em agosto de 2008, surgiu um nódulo
submandibular. A princípio, a médica disse que provavelmente era uma glândula
salivar entupida, disse para massagear e colocar compressa de água quente. Após
um mês, ao perceber que o nódulo continuava como antes, ela indicou um
cirurgião, este disse para não tocar no nódulo, esquece-lo, que se o nódulo não
sumisse em quarenta dias, eu deveria marcar nova consulta. Após quarenta dias,
não conseguindo agendar com o médico, marquei consulta com um
otorrinolaringologista, ele pediu vários exames, incluindo ultra-som e
hemograma. Ao ver os resultados, esse médico sugeriu que eu procurasse um
hematologista, para tratar a anemia, e um outro cirurgião para verificar o
nódulo. Na época, comecei a pesquisar o que poderia ser aquele nódulo, o
resultado da busca de informações, pela internet, em artigos científicos,
sugeria linfoma. Fiquei preocupada, só sabia que era um câncer, não tinha
maiores informações. Porém os médicos que viram o nódulo não pareceram
preocupados ou desconfiados de um diagnóstico tão grave. Em outubro de 2008
procurei outro cirurgião geral, este disse que o nódulo era uma bobagem. Em
novembro de 2008, em consulta com outro hematologista, ele não considerou o
nódulo preocupante, prescreveu Citoneurim, para aumentar a vitamina B12 e
marcou retorno para fevereiro de 2009. Em janeiro de 2009, estava em férias em
outro estado, e por duas vezes tive um mal estar. Como eu sempre me sentia
desconfortável, já estava acostumada a ter mal estar. Em fevereiro de 2009, os
índices de B12 eram bons e a anemia persistia. Além disto, eu tinha dores de
cabeça cada vez mais incapacitantes, nos anos de 2008 e 2009, eu não conseguia
me levantar da cama, quando vinham as crises. Elas estavam acontecendo a cada
dez dias, duravam de 3 a 4 dias, também tinha sudorese noturna, que uma médica
julgou ser da idade, talvez eu estivesse entrando na menopausa, e ainda tinha
coceiras nas pernas, que ficavam feridas de tanto coçar. Eu já estava muito
desgastada com tantos exames, muitas vezes, quando os médicos me diziam que
minha “medula era preguiçosa”, aumentava minha vontade de pedir para pesquisar
melhor minha medula, mas eu não fiz. O que foi uma grande bobagem de minha
parte, afinal, eu não me sentia bem, estava cada vez mais fraca, sem forças, e
com medo do julgamento alheio. Porém, em fevereiro de 2009, ao retornar ao
hematologista, eu insisti com o médico dizendo que não considerava normal a
manutenção da anemia. Uma vez que os exames mostravam que os níveis de vitamina
B12 estavam normais, eles não eram responsáveis pela anemia. Também relatei a
ele, que minha fadiga estava crônica, contei que quando eu ia ao supermercado,
precisa dormir ao chegar em casa, não conseguia guardar as compras de tão
cansada. Sentia-me exausta, inclusive, em períodos de férias. Insisti que
pesquisasse minha anemia, e atendendo ao meu pedido, o médico solicitou exames
laboratoriais para descartar a possibilidade de Talassemia. Os resultados foram
normais e o hematologista considerou ser a anemia “coisa própria do meu
organismo”. Como eu havia me consultado com este hematologista em fevereiro,
guardei o pedido de exames (hemograma e vitamina B12), que ficava sempre
comigo, para as consultas de controle com a Clinica Geral. Ao invés de voltar
nela, naquele mês, decidi adiar mais três meses, visto que o hematologista
disse que eu estava bem, e que não precisava me preocupar. Em junho de 2009,
fiz exames laboratoriais, com a intenção de levá-los para controle com a
Clinica Geral, mas os resultados me geraram preocupação, sabia que algo estava
errado: (vitamina B12 = 2000 - dois mil; a anemia piorou - hemoglobina de 10,4
em fevereiro/2009 passou para 9,6. Ao invés de ir à médica, marquei uma nova
consulta com o hematologista que havia me atendido em fevereiro. Eu disse a ele
que os resultados não estavam bons e que eu estava preocupada. Ele solicitou
novos exames laboratoriais, entre eles, a eletroforese de proteínas.
O dia do diagnóstico: Quando meu marido
envelheceu dez anos em uma noite.
Quando, finalmente, tive o diagnóstico, foi
numa sexta-feira no início da noite, o médico disse que não sabia precisar se
era Mieloma Múltiplo ou Waldestron. Eu perguntei se era câncer, ele respondeu
que sim. Acrescentando que outro médico assumiria meu tratamento. “Simples
assim”. O Gou tentou conversar com o médico, perguntou a ele: “Como assim,
câncer? Ela esteve aqui em fevereiro e estava tudo bem, não estava? Este câncer
surgiu do nada? De repente?” O médico disse que não sabia precisar quando eu
adoeci, e terminou a consulta.
Eu e meu marido ficamos DESAMPARADOS. Eu vi
nos olhos do Gou, uma dor que só me lembro de ter visto uma vez em minha vida.
Foi quando eu tinha 5 anos idade e meu irmão mais velho, com 6 anos, recebeu
por telefone a notícia que meu pai tinha morrido, ele havia sido assassinado.
Foi a segunda vez em minha vida, que o sofrimento de uma pessoa amada, doía
tanto em mim, que minha própria dor desaparecera. No momento do diagnóstico, o
mais difícil foi ver o sofrimento dele, estamos casados há muitos anos, e não
temos filhos, por opção, planejávamos envelhecer juntos, saudáveis, cuidando um
do outro, felizes. O medo de não mais envelhecermos juntos, nos invadiu. Saímos
do consultório, naquela sexta-feira, sem uma palavra de alento daquele médico,
que encerrou a consulta, mesmo com o Gou tentando conversar com ele, entender o
que estava acontecendo, desnorteado. Eu, sem palavras. Sem rumo, ao chegarmos
em casa, o Gou chorava e dizia que não queria me ver sofrer. Eu dizia a ele que
não iria sofrer, e que não morreria de câncer. Na verdade, eu estava aliviada,
enfim eu tinha um diagnóstico, eu poderia ser tratada e me sentir bem, com
energia. Não sei quando surgiu o mieloma múltiplo em meu corpo, não sei se
todos os sintomas relatados eram sinais da doença, mas naquele momento o que
importava é que eu poderia me tratar e me sentir melhor.
A madrugada pós diagnóstico: E a resposta
tranqüilizadora e humana, de uma pessoa (médica) desconhecida.
Naquela noite não tínhamos fome, nem sono,
tínhamos um momento único de consolo mútuo. Fomos buscar, naquela madrugada que
seguia, ajuda na internet. Começamos a pesquisar tudo sobre mieloma múltiplo,
lendo artigos científicos, e quais eram os melhores médicos / pesquisadores,
através do Currículo Lattes dos mesmos. Pesquisamos sobre a doença, sobre
tratamentos e prognósticos. Enviamos e-mails para médicos que publicaram sobre
o assunto, junto com os resultados de meus exames. Não confiávamos mais nos
hematologistas e clínicos que até então nos atendiam em nossa cidade, pois eles
nunca pesquisaram “aquela” anemia persistente, nem escutaram as minhas queixas.
No dia seguinte ao diagnóstico, no sábado à tarde, uma médica hematologista da
Paraíba nos respondeu, o nome dela: Flávia Pimenta. Jamais esqueceremos o que
ela fez por nós. Foi um momento de emoção e alívio, estávamos sem nos alimentar,
sem dormir, imobilizados. Esta médica, disse para nos acalmarmos, que tinha a
possibilidade de tratamento e de transplante, disse que pelos meus exames, tudo
indicava que era mesmo mieloma, e não Waldestron. Choramos aliviados, alguém
nos escutou.
Outros médicos surgiram em nossas vidas:
Graças a Deus!
Dias depois, outros médicos também nos
responderam. A Dra. Vânia Hungria, hoje minha amiga e minha médica, a Dra. Rosa
Malena, a Dra. Mihoko Yamamoto, todas muito atenciosas comigo. Aqui em minha
cidade, conheci a Dra. Nelma Clementino, com quem me consultei uma vez. Foi
logo após o diagnóstico, ela colocou a mim e ao Gou no colo, nos acalmou, ficou
mais de três horas conosco em seu consultório, num dia em que havia enterrado
uma tia, e finalizou a consulta com um caloroso abraço. Aí conhecemos o Dr.
Leandro Santiago, que foi o primeiro médico que nos acompanhou aqui, depois
quando comecei a me consultar com a Vânia, ele passou a trabalhar junto com
ela, escutando a voz de sua experiência.
Ele foi muito importante para nós, pois nos
conheceu em um momento de desconfiança total. Achávamos que todos os médicos
eram negligentes. Leandro era firme em suas respostas, sem ser arrogante. Era
humildade, carinhoso e paciente. Ele se mudou de cidade, foi difícil, pois já
havia me afeiçoado muito a ele. Mas ele me deixou com o Dr. Caio Cesar Ribeiro,
ele, também, é jovem. Assim como o Leandro, tem idade para ser meu filho, mas é
integro e muito atencioso, tem carinho nos olhos, e é o que preciso. Caio tem a
humildade para entender que a Vânia, é uma expert em Mieloma, e segue suas
orientações, sem se sentir menos por isto.
O tratamento inicial:
Em julho de 2009, fiz o Mielograma e a
biópsia, eu estava com mais de 70% de infiltração de plasmócitos. Não tive
lesões ósseas, mas já estava com osteoporose na coluna lombar e osteopenia no
fêmur. Comecei o meu tratamento no final julho de 2009, em três de fevereiro de
2010, fiz o transplante autologo de medula óssea (TMO). Não citarei nomes de
médicos, hospitais, clínicas, enfermeiros, etc., por um simples motivo: “nunca
se sabe o dia de amanhã”. Em minha primeira consulta, 45 dias pós transplante,
a Vânia me perguntou como eu havia sido tratada, eu disse, “bem” (o que não era
totalmente verdade), “mas que não me submeteria ao transplante, novamente,
porque foi muito difícil”. Eu sabia que ainda estava muito frágil, com a saúde
muito debilitada, e que poderia voltar a ser internada, e iria estar sob os
“cuidados” daqueles mesmos profissionais, dos bons e dos horríveis. Realmente,
precisei passar por nova internação, mas antes, contarei como foi minha
internação, para o transplante.
O Transplante autologo de Medula Óssea / TMO
Fiz o transplante pelo SUS, por isto dividi o
quarto com outra paciente, uma garota jovem, que fez transplante alogênico,
para tratar uma leucemia. Quanto à estrutura hospitalar, tudo muito simples,
mas com os devidos cuidados. Em sua maioria, os profissionais eram solícitos e
atenciosos. O problema, a meu ver, começa pelo fato de que, quem fica na linha
frente, com maior contato com os pacientes, são os auxiliares de enfermagem,
pouco qualificados, insatisfeitos com o salário, com a chefia e estressados.
Eles estavam, sempre, cansados, pois noventa por cento deles tinha um segundo
emprego, ou estudava, e muitos faziam as duas coisas, tinham um segundo emprego
e estudavam. Antes da internação, quando fui colocar o cateter, para a coleta
de células, eu estava com muito medo, não sabia como seria a implantação do
cateter, se era um procedimento doloroso (?), nunca havia sentindo tanto medo.
Disseram que o procedimento aconteceria às oito horas da manhã. Quando,
finalmente, as 14 h e 30 min., entrei para a sala de procedimento, a enfermeira
discutia com o auxiliar de enfermagem do setor, apontando falhas do local e de
material. Foi tão inoportuna a discussão que num determinado momento eu pedi
que parassem: “olha eu já estou com medo, assim vocês estão me deixando com
mais medo, por favor, me ajudem”. De repente, duas funcionárias batem na porta,
dizendo que é hora de limpar o setor, a enfermeira e o auxiliar, saem da sala,
e eu fiquei lá, deitada, angustiada, e com duas pessoas lavando o chão. Quando
o médico chegou, fez algumas perguntas ao auxiliar, que respondeu não ser
função dele, e que nunca havia auxiliado naquele tipo de procedimento. O médico
disse que iria dizendo para ele o que fazer. Eu disse ao médico do meu medo,
ele falou que seria rápido e faria o possível para ser indolor. Quando cobriram
o meu rosto, me dei o direito de chorar, lembro-me de ter pensado que aquele
era o momento mais difícil pelo qual eu tinha passado. Quando estava no meio do
procedimento, entrou outro médico na sala, muito nervoso, começou a contar para
o médico que já havia implantado dezoito cateteres, naquele dia. Reclamava que
estava sobrecarregado de pacientes e ainda sendo pressionado pela chefia.
Quando acabou o procedimento, fui para a sala de RX e depois para a realização
da coleta, onde fiquei por quatro horas. A médica e as duas enfermeiras que
acompanharam toda a coleta foram ótimas, em todos os sentidos. Atenciosas,
competentes, atentas. Saímos do hospital as vinte duas horas, daquele dia.
Quinze dias após a coleta, internei para o Transplante Autologo de Medula Óssea
– TMO. Implantei outro cateter, que só foi retirado no dia de mina alta. Fui
bem recebida no dia da internação, mas logo pude perceber que as enfermeiras
executam, na maior parte do tempo, funções burocráticas, e que eu estaria nas
mãos dos auxiliares. PRIMEIRAMENTE, que fique registrado, que meus médicos, o
responsável por meu transplante, era o chefe do setor – TMO, e a médica
responsável por meu tratamento, a Vânia, é muito respeitada naquele hospital.
Percebi que poderia ter um tratamento mais “cuidadoso”, se com sutileza, fizesse
saber quem eram os “meus” médicos. Claro que fiz isso, o que não impediu a
imperícia e a negligência de alguns. No plantão da manhã, tinha uma auxiliar,
que se gabava de trabalhar na instituição há quase vinte anos, ela me tratava
bem, mas não tinha os cuidados devidos com a higiene. Eu não a via lavar as
mãos para entrar no quarto, não usava luvas para manipular o cateter e nem
usava algodão com álcool. Eu ia conversando, com muito cuidado, falando que já
havia trabalhado na área hospitalar, o que é verdade, e dos cuidados com
infecção, mas acho que ela era limitada demais. O pior é que o turno da manhã é
a mais sobrecarregada de procedimentos burocráticos para a enfermeira, que
raramente ia ao meu quarto. Algumas vezes, faltava funcionário para este turno,
que é por natureza, um horário de grande estresse para funcionários e por
conseqüência, para os pacientes. Existe uma rotina de procedimentos a ser
cumprida, e os pacientes são enquadrados nesta rotina, independente de seu
estado clínico. Se o paciente passou a noite em claro, por dor e efeitos
colaterais, não é considerado. Ele deve se levantar, tomar banho, etc. Enquanto
isto, as auxiliares trocam a roupa de cama, aí vem o desjejum, e lá pelas onze
horas, a “calma”, volta a reinar. Caso não tenha condições físicas de tomar
banho sozinho, um auxiliar irá “ajuda-lo”. Um comentário importante sobre o
banho: No momento da internação nos é ensinado como deve ser o banho, recebemos
um pacote com 4 ou 5 compressas (que não são descartáveis). Se lembro bem, uma
para lavar a cabeça, uma para as axilas e tronco, uma para as partes intimas,
outra para as pernas e pés. Estas compressas são usadas em procedimentos,
limpeza de vômito, etc. Não existe a inscrição, do tipo: compressa exclusiva
para o banho. Também nos são entregues dois lençóis, um para enxugar o corpo,
outro para estender no chão em que vamos pisar para nos secar. Três dias antes
de minha alta, uma enfermeira voltou das férias. Quando esta viu, um auxiliar
estender no chão um lençol, para cobrir o vômito de minha companheira de
quarto, ela disse: “Isto não pode acontecer, quem garante que a lavagem da
roupa em nossa lavanderia, mata todos os germes e bactérias?” O auxiliar,
perguntou qual era a opção para aquela prática que era “padrão” no Setor do TMO.
A enfermeira não soube responder.
Antes da maratona de procedimentos
obrigatórios da manhã, tem a visita relâmpago dos médicos. E se mais de um
médico for visitá-lo, pode ter a certeza: você não está bem. Caso contrário,
você só verá o médico por, no máximo, cinco minutos, geralmente, um residente,
pois o médico responsável, só entra no quarto quando a situação (o estado de
saúde do paciente) requer maiores cuidados. Penso que no TMO todo minuto requer
cuidado.
No turno da tarde, trabalhava o auxiliar que
estava no dia da implantação do cateter, para a coleta de células, um homem
amargo, de poucas palavras, nenhum sorriso. Um dia, por volta do meu dia (D+9),
eu estava me sentindo muito fraca. Tive febre durante a noite, muitas dores na
região lombar e na boca, e não conseguia me alimentar devido a mucosite. Ainda
não havia tido a pega de minha medula, estava num dia muito difícil e dolorido.
Eu me levantei para ir ao banheiro, e este auxiliar chegou ao quarto para me
dar uma medicação, via cateter. Não consegui ir ao banheiro, e cai na minha
cama, desmaiei. Não sei o que ele fez, mas quando acordei outro auxiliar, o
único com carinho e atenção dos três, daquele turno, estava com a mão em meu
cateter, colocando a medicação, e me pediu desculpas, disse que o colega dele
estava muito nervoso. Eu estava sem forças, e não perguntei o que havia
acontecido. Naquela tarde, o auxiliar “nervoso” não voltou ao quarto. O pior, é
que este cidadão, também trabalhava no Hospital do Câncer daquela cidade, não
acho que gente “nervosa” deva trabalhar com gente SOFRIDA. Mas tinha este
atende que cuidou de mim, jovem, atencioso, porém inexperiente, trabalhava como
cuidador de idosos no período manhã, no TMO à tarde e estudava no curso técnico
de enfermagem à noite. Eu sabia de sua inexperiência, mas ele fazia tudo
certinho, com higiene e cuidado, além de muito educado. O terceiro, era um
sujeito muito estranho, cursava graduação em enfermagem, ele não deveria
trabalhar ali. Havia apenas cinco dias em que eu havia recebido minhas células,
percebi que ele estava com a voz diferente, perguntei se ele estava gripado, o
que inviabilizaria sua entrada naquele quarto. Ele disse que só estava com a
garganta “irritada”. Eu perguntei se ele poderia estar ali, ele disse que não estava
com ela inflamada. Mas... quando ele voltou ao quarto, estava com uma máscara,
porém, no pescoço. Este sujeito estava dentro de meu quarto, quando viu pelo
vidro, o Superintendente da Instituição chegando ao setor do TMO (eu o vi
chegar pelo vidro da porta, e perguntei quem era). Este auxiliar colocou,
imediatamente, a máscara. Naquele momento, percebi que ele sabia que estava
agindo errado, e colocando nossas vidas em risco. A minha, a de minha
companheira de quarto, e das outras duas senhoras, do quarto ao lado, também
transplantadas. Eu não reclamei com a enfermeira, ela era muito carinhosa
comigo, me tratava bem, mas não exercia nenhuma autoridade sobre os auxiliares
de seu turno. Quando meu marido chegou, contei a ele, ele disse que eu deveria
denunciar, mas depois concordou comigo, sabendo que no setor estava, sempre,
faltando funcionário, todos correndo muito, poderiam no máximo pedir para que
ele não entrasse em meu quarto. Resolvemos não arriscar, pois não sabíamos o
que isto poderia acarretar, afinal, eles tinham acesso à farmácia, e tudo o que
ia para mim. Este auxiliar tinha uma má vontade e uma arrogância, que fazia o
turno da tarde ser pior que o da manhã. De manhã eu tinha muita dificuldade, no
corre-corre das auxiliares, banho, arrumação do quarto, etc. Principalmente
quando quem me dava a medicação era a auxiliar “experiente”, que não tinha os
devidos cuidados, ela tinha que dar conta do serviço, e para isso, fazia tudo
correndo. Mas à tarde a presença dos dois auxiliares ruins naquele turno, fazia
com o tempo custasse a passar.
O turno da noite começou triste para mim,
pela situação que eu vivia, e pela falta de funcionários em minha primeira
noite de internação. O Gou havia ficado até as oito horas da noite comigo, a
visita era de 16 às 20 horas, diariamente. Naquele primeiro dia, ele ficou lá
no hospital, o tempo todo, do lado de fora, para “garantir” que eu ficaria bem.
Antes de ir embora ele me disse que estava perdido, sem saber o que fazer.
Estávamos em outro estado, ele hospedado num hotel, e sabíamos que era o começo
de um tempo peculiar em nossas vidas. Quando ele foi embora, me vi naquele
quarto de hospital, sozinha, até a meia noite, as duas auxiliares que
trabalhavam naquele turno, não puderam ir ao meu quarto. Outras duas senhoras
internaram no mesmo dia que eu, além delas, tinha uma senhora, que havia feito
um transplante alogênico, e estava internada com complicações. Naquela noite, a
enfermeira chefe do plantão não foi trabalhar, nem o terceiro auxiliar, que
deveria completar o quadro de funcionários. As duas auxiliares, que estavam
sozinhas e, responsáveis pelo plantão, ficaram das dezenove horas, até a meia
noite, cuidando desta paciente que estava grave. Somente depois de levá-la para
a UTI, é que uma das auxiliares entrou no meu quarto, se desculpou e percebeu
que eu estava chorando. Tornamos-nos amigas, sempre que era seu plantão, dia
sim, dia não, ela ia para meu quarto à noite, e conversamos bastante. O plantão
da noite era sempre mais tranqüilo, tinha uma auxiliar que já tinha feita
quimioterapia para tratar um câncer de mama. Esta mulher era uma ótima
profissional, humana, carinhosa, atenciosa. Nos meus momentos mais difíceis,
devido à mucosite, ela sempre dizia saber que não estava sendo fácil, mas que
eu deveria acreditar que aquele momento difícil passaria. Apenas uma auxiliar a
noite era ruim, em uma noite difícil, eu havia enfraquecido muito, além da
mucosite, estava tendo febre há alguns dias, já havia recebido duas
transfusões, e era um momento delicado. Eu havia desmaiado à tarde, e quando
esta auxiliar chegou à noite. para dizer que eu deveria ir me pesar, eu pesava
três vezes por dia, nos três plantões, eu pedi ajuda a ela, pois não conseguia
me levantar sozinha. Ela me disse, em um tom muito agressivo e impaciente, que
deveria me esforçar, que estava sendo dengosa. Olhei para ela, e perguntei,
humildemente? “Você acha mesmo, que alguém nas minhas condições consegue ser
dengosa? Estou sem comer a vários dias, minha boca dói, hoje nem a morfina fez
parar a dor, não consigo engolir NADA. Desmaio só de ir ao banheiro, estou
usando fraldas, pois não controlo a diarréia, vomito todas as vezes que escovo
os dentes, e não tenho um fio de cabelo na cabeça, o que faz com que meu couro
cabeludo grude no travesseiro. Você tem certeza que estou sendo dengosa por te
pedir ajuda?” Levantei, fui me apoiando na parede, até a balança, que ficava no
corredor, e outra enfermeira me segurou na volta.
Muitas são as lembranças, recebi carinho e
atenção de muitos auxiliares, e enfermeiros, quando fiquei mais fragilizada,
devido à mucosite, também recebi cuidados dentários (laser), e da equipe de
fisioterapia para conseguir respirar melhor. As funcionárias da copa se
desdobravam em cuidados e preocupação, para que eu me alimentasse, sempre
disponíveis e atenciosas. Muitos funcionários do hospital, inclusive do
porteiro a alguns enfermeiros de outras alas, também recebi muito carinho, o
que fez com que os momentos de dor fossem suportáveis. Ah, e claro, o Gou ia me
visitar, todos os dias.
O cuidado com os outros: Mesmo que nosso
momento seja difícil, ninguém tem culpa de nossos problemas.
Algo me chamou a atenção, e fica aqui, para
que todos reflitam:
Mesmo nos momentos de medo, angústia, dor e
dor forte, nunca deixei de dizer, ”por favor,”, “muito obrigada”, “você poderia
fazer a gentileza”, é possível fazer isto para mim”, “desculpe incomodar, sei
que está no meio da madrugada, mas...” Os funcionários do hospital estranhavam
minha boa educação, diziam que não era comum serem bem tratados.
Ninguém deve tratar ninguém com falta de
gentileza, eu odeio ser tratada com rispidez, portanto não trato ninguém assim.
É imperdoável, seja num hospital, na padaria, no aeroporto, etc., pessoas se
tratando com grosseria.
ESCUTA: escutar o paciente deveria ser uma
cadeira, uma disciplina na faculdade de medicina, e nos cursos técnicos da área
de saúde também. Certo dia, amanheci muito inchada, levantei para ir ao
banheiro, e meu rosto estava redondo, bastante inchado. Eu ainda não tinha tido
a “pega” medular. Quando a médica entrou no quarto, falei para ela que eu
estava inchada, meus pés e mãos, também estavam inchados, mas ela olhou minha
perna, apertou e disse que eu não estava inchada. Eu lhe informei que quando
retenho líquido, não costumo ter as pernas inchadas, e sim, o meu rosto pés e
mãos, e que eu poderia garantir que eu estava inchada. Ela não escutou,
insistiu que eu não estava inchada. Mais ou menos, duas horas depois, fui para
a primeira pesagem do dia, quatro quilos acima da última pesagem, na noite
anterior. À tarde, na segunda pesagem do dia, mais um quilo “extra”, e a noite
eu já somava, 5 quilos a mais, que na pesagem da noite anterior. No meio da
madrugada, comecei a sentir falta de ar, não conseguia ficar deitada, pois não
conseguia respirar, a auxiliar chamou a médica, plantonista do Pronto Socorro,
esta receitou um diurético, oxigênio, e melhorei um pouco. Ao amanhecer, veio o
fisioterapeuta para me ajudar a respirar, depois de quatro dias de
fisioterapia, melhorei. Recebi alta ao completar dezoito dias de internação,
não foi tão horrível quanto pensei que seria, mas também não foi fácil. Convivi
com pessoas ótimas e com pessoas ruins. E em minha conta, até aquele momento,
as pessoas ótimas eram a maioria.
À volta para a casa: Na verdade, uma kitinete
que o Gou alugou, para chamarmos de lar.
Fui para “casa”, o Gou recebeu autorização
das duas Instituições de Ensino Superior em que trabalhava, para me acompanhar.
Esta liberação remunerada foi inusitada e entendida por nós como um gesto de
carinho e humanidade, por parte dos dirigentes dessas Instituições. Isto
possibilitou que ele alugasse um apartamento, que foi nosso lar, por setenta
dias. Até chegar em “casa”, eu não tinha noção do quanto estava fraca. Eu tinha
que voltar ao hospital, periodicamente, para consultas e exames, o que era
muito desgastante. Em casa, quase não conseguia me levantar, meus músculos
estavam fracos, levantar, assentar e deitar era muito difícil. Eu sentia dores
por todo o corpo, dores que persistiram por quatro meses. Eu gemia o tempo
todo, a noite era uma tortura, eu não conseguia dormir, toda posição era
dolorida. Sempre que eu ia escovar os dentes eu vomitava, isto por dois meses
após o TMO, a diarréia estava mais controlada, também eu quase não comia, e
quando comia vomitava. Os dias foram passando, e quase um mês após minha alta,
o que significava um mês e meio pós transplante, fui a minha médica, ela perguntou
como eu havia sido tratada no hospital, eu disse que bem. Achei melhor não
reclamar, não dizer da parte ruim, dos profissionais ruins. Eu ainda estava
fraca, sentia-me muito fragilizada, sabia que poderia precisar voltar para o
hospital. Se fosse internada de novo, ficaria sob os “cuidados” dos mesmos.
Porém, o pior ainda estava por vir. Três dias após a consulta com minha médica,
comecei a sentir uma dormência na boca, e uma dor na orelha direita. No outro
dia, a dormência, que era somente no lado direito, veio acompanhada de uma dor,
suportável. No terceiro dia, a dor veio intensa, de uma hora para outra ficou
insuportável. A recomendação do hospital era: “qualquer sintoma diferente,
telefone, para nós”. Era um sábado, telefonei para o hospital, disse o que
estava acontecendo, me orientaram a ir para lá, um médico me atenderia. Contei
ao médico que a dormência havia começado, lentamente, há três dias, e a dor
naquele momento era intensa, porém, era um sintoma unilateral. Somente a metade
do lábio e da língua estavam dormentes, e que a dor era intermitente. Era um
médico residente ou acadêmico, não sei dizer, mas ele telefonou para o médico
responsável, e este mandou fazer bochechos com bicarbonato de sódio. Fui para
casa e fiz o bochecho, o que piorou muito a situação, pois queimou a boca, no
local onde estava dormente. Passei a noite com dor e sem conseguir comer. No
domingo, telefonei às sete horas da manhã para o hospital, sabia que um plantão
estava começando. A enfermeira atendeu, contei a ela que o bochecho não tinha
dado certo, que piorara o quadro e perguntei se podia ir até lá, para ser
atendida por um médico. Ela disse que conversaria com o médico responsável,
para eu ligar uma hora depois. Eu retornei a ligação, ela falou para eu tomar TRAMAL,
de 8 em 8 horas, e para fazer bochechos com chá de camomila. Eu segui as
orientações, mas a dor só aumentava, então, no meio da tarde telefonei,
novamente, a mesma enfermeira atendeu, eu perguntei se poderia ir ao hospital,
pois a dor era muito forte e eu não estava conseguindo comer. Ela disse que não
tinha médico naquele momento, para eu continuar com os bochechos e que o
remédio faria efeito. Às dezenove horas daquele domingo, telefonei, novamente,
para o hospital, eu sabia que o plantão era outro. O enfermeiro da noite
atendeu e me disse que a enfermeira do dia havia explicado o meu caso para ele,
e que no dia seguinte, na segunda feira, eu deveria ir lá, para o médico me
examinar. Eu expliquei que não havia dormido na noite anterior e que estava com
muita dor, que não agüentaria até o amanhecer. Ele disse para tomar o remédio
para dor. Eu, também, disse a ele que havia surgido uma bolha perto de minha
boca, que eu suspeitava estar com Herpes Zoster. Mas ele insistiu que eu só
deveria ir para o hospital no outro dia, para não tocar na bolha, e que no dia
seguinte o médico me atenderia. Ao desligar o telefone, chorando de dor, meu
marido sugeriu que eu levantasse da cama, e tentasse ver televisão, ou usasse a
internet, para tentar distrair e esquecer a dor. Antes fui ao banheiro, olhei
meu rosto e tive a certeza, eu estava com Herpes Zoster. Fui para o computador,
procurei informações e mostrei para o Gou, ele também, não teve dúvida. Foi uma
noite pavorosa, eu andava naquele minúsculo apartamento de um lado para o
outro, chorando de dor, o Gou no quarto, levantava de hora em hora, sem saber o
que fazer para me ajudar. As cinco da manhã resolvemos ir para o hospital,
desta vez sem telefonar antes, como fomos orientados. Chegamos ao hospital às
seis horas da manhã, eu ainda tomei o cuidado de ir de máscara, sabia que
entraria em contato, com uma auxiliar que estava no oitavo mês de gestação, e
com pacientes transplantados, não queria colocar ninguém em risco. Procuramos o
enfermeiro do plantão noturno, ele nos mandou aguardar na sala de exames. Às
sete e trinta da manhã pediram que eu saísse da sala, pois um paciente estava
chegando do interior, pós transplantado, e precisava usar o oxigênio. Ele
estava muito debilitado e não poderia ter contato comigo. Eu fiquei no
corredor, até as onze horas da manhã, tudo o que eu conseguia fazer era chorar
de dor. O Gou foi algumas vezes pedir para me atenderem, e mandavam esperar.
Duas enfermeiras me viram no corredor, uma me mandou retirar a máscara, outra
logo após mandou colocar. Às nove horas, passou uma médica no corredor, viu meu
rosto, no momento sem máscara. Eu estava careca, com o rosto muito inchado, e
machucado pelo Herpes, naquela hora, as bolhas já haviam aumentado muito. Ela
perguntou por que eu chorava, o Gou explicou que eu sentia dor. Ele falou por
mim, pois minha boca (língua) inchou tanto que quase não conseguia falar, minha
boca tinha muitas bolhas e não abria. Esta médica foi até o setor de TMO e
voltou dizendo que eu seria atendia, o que aconteceu somente às onze horas. A
sensação de impotência é tão grande, que o Gou tinha pena de mim, por causa de
meu sofrimento, que era a dor. Eu tinha pena dele, por causa de seu sofrimento,
não poder fazer nada para me ajudar. Às onze horas fui atendida pela médica
responsável, ela disse que não poderia ter chegado naquele grau do Herpes,
então expliquei minhas tentativas, desde sábado para ser tratada. Ela também
explicou que era um caso para internação, mas, não tinha leito disponível.
Comecei o tratamento, com morfina para dor, e dois medicamentos próprios para o
Herpes. Na segunda à noite, mesmo depois da última injeção de morfina, a dor
era grande. Saímos do hospital às nove horas da noite, fui para casa, e fiquei
a noite toda, novamente, andando de um lado para o outro, desesperada com a
dor. Novamente, fomos para o hospital, chegamos às cinco horas da manhã. Fui
atendida às 10 horas, para receber a primeira medicação. O médico chefe do
setor chegou e o Gou perguntou a ele se havia alguma coisa que pudéssemos fazer,
se havia algum medicamento que pudesse melhorar meu estado. Ele disse que se me
aplicassem mais morfina poderia complicar meu transplante, o Gou disse que
entendia isto, mas perguntou novamente, se tinha outra solução e o médico
alterou o tom da conversa: “Meu senhor, se eu tivesse um leito a internaria,
mas não tenho leito e não posso resolver esta situação”.
A enfermeira disse para voltarmos para casa,
que quando a médica responsável terminasse a reunião, ela a informaria de meu
estado. Uma hora após chegarmos em casa, a enfermeira nos telefonou dizendo que
a médica nos chamou de volta. Ao ver meu rosto, ainda mais inchado e tomado
pelo Herpes, a médica tentou, com a ajuda de outro médico, até as quatorze
horas, um hospital para que eu fosse internada. Fui encaminhada para um
hospital, fiquei no isolamento até as vinte e uma horas daquela terça-feira,
quando finalmente, o convênio liberou a internação, pois eu estava em outro
estado. Somente às nove horas da noite pude subir para o quarto. O Gou, assim
como eu, havia passado todo aquele dia sem comer nada, e o pior, em pé na
recepção do hospital, que estava lotada, esperando a autorização, enquanto eu
aguardava no isolamento, onde me serviram uma sopa, que não consegui comer, de
DOR. Ser internada foi um alívio, eu seria tratada. Fiquei mais oito dias
internada e três meses depois a dor sumiu. Até hoje, sinto o lábio um pouco
dormente, mas isto não é nada. Do transplante, fui me recuperando aos poucos,
voltamos para nossa cidade, setenta dias pós transplante, fui me fortalecendo,
e aos poucos voltando a minha rotina.
A recidiva: Conheci o medo da morte.
Em janeiro de 2011, apenas dez meses após o
TMO, meu pico monoclonal começou a subir. Voltei a tomar Talidomida. Este foi
um momento difícil, tive muito medo, talvez pela primeira vez, desde o
diagnóstico, medo de morrer. O transplante conteve o mieloma, só por dez meses,
eu não sabia o grau de agressividade de minha doença, nem como meu organismo
reagiria ao tratamento. Sentia-me mal, e tinha medo, muito medo, eu não sabia
se sentia mal pelo efeito colateral do remédio, ou se era por causa do câncer.
Até então, eu estava bem, comecei a sentir-me
bem, cinco meses pós transplante, às vezes imagina que em uns seis ou sete anos
a doença seria “reativada”, mas que aí já haveriam descoberto a cura, ledo
engano. Talvez, este tenha sido o momento de maior medo, para mim. Medo real da
morte, medo da falta de controle do câncer, que poderia me matar em pouco
tempo. Meu pensamento era: antes todos me diziam que eu ficaria bem pós
transplante, mas e aí? Eu havia feito o primeiro transplante, fiquei bem, por
uns cinco meses, e era cedo demais, para um segundo transplante.
Comecei um tratamento com Talidomida, mas meu
pico monoclonal continuou subindo. Parti para a quimioterapia com Velcade +
Dexametasona.
Paralelamente, muitas coisas aconteceram em
minha vida. Conheci outras pessoas com mieloma, alguns muito bem sucedidos em
seu primeiro transplante, outros nem tanto. Alguns com muita fé e esperança,
outros que não resistiram e infelizmente morreram.
Aprendizados: GENTE e gente.
O que tenho aprendido, sobre pessoas, é que:
primeiro, tem muita gente “sem noção”; segundo, a solidariedade tem prazo de
validade. Dá falta de “noção, vou exemplificar: Sempre achei muito estranho as
pessoas irem visitar um recém nascido, logo que este chega em casa. A mãe ainda
está se recuperando do parto, se acostumando com aquele novo e amado ser, e as
pessoas insistem em interromper este processo. Fazem visitas, que causam
desgaste físico na mãe, e pai, além de colocar me risco àquela criaturinha
frágil, com imunidade ainda em construção, sem vacinas e proteção. Muitos,
ainda exageram nos perfumes, cheiro de cigarro, etc. Além das gargalhadas
altas, e falta de “desconfiometro”. Esta falta de noção, também acontece quando
alguém perde um ente querido. Visitas intermináveis, num momento de dor, de
cansaço físico e emocional, num momento em que àquele que perdeu alguém, não se
sente só, pois tem a dor na “carne viva” como companheira. Com o passar dos
meses, as pessoas somem, pois a obrigação social de manifestar a tal da
solidariedade, já foi cumprida. Então, nada de visitas, ou telefonemas, e-mail,
ou mesmo, sinal de fumaça. Depois do sofrimento da perda e do desgaste de “ter”
que receber visitas de condolências, vem o vazio total. Assim, também, acontece
com os que se descobrem doentes. Muitos telefonemas, muitas visitas, e depois o
doente se pergunta: “com quem posso contar?”.
Com o câncer, tem uma coisa que ainda não sei
se é a tal “falta de noção”, ou perversidade mesmo, a gente escuta cada
absurdo. Eu escutei, mais de uma vez, que “você sabe, câncer é uma praga, leva
mesmo” Entenda-se leva como, “mata mesmo”. Quando recebi meu diagnostico, foi
num período que a gripe H1N1, estava matando, era um surto sem controle, isto
foi em junho de 2009. Eu estava com a imunidade baixa, e diante dos casos de
gripe, a medida que as pessoas foram sabendo de meu câncer e me telefonavam, eu
dizia que não estava recebendo visitas. Foi minha salvação, os telefonemas eram
constantes (sempre das mesmas pessoas), claro que algumas (POUCAS), eram
sinceras e ainda me telefonam. Mas a maioria queria saber sobre o estágio em
que descobri a doença e quais eram as minhas chances. Algumas pessoas me
ligaram, dizendo que me amavam muito, que eu podia contar com elas para o que
precisasse, e eu fiquei emocionada. Com o passar dos meses, fiquei foi me
sentindo idiota por me emocionar com àquelas pessoas, sem telefonemas, sem
resposta de e-mail. É isto, telefonar, visitar, dizer “conte comigo”, é uma
questão de função social. Mas solidariedade, AMOR, isto recebi de alguns
(poucos) familiares, alguns (pouquíssimos) amigos e a todo instante,
incondicionalmente de meu MARIDO, o Gou.
Relacionamentos sejam familiares ou de
amizade, eu acreditava que se sustentassem, num compromisso velado, como o
matrimonio: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na
pobreza. Eu e o Gou escutamos muitas palavras “doces”, muitos falaram de DEUS,
mas pouquíssimos, seguiram seus mandamentos.
Mas, a solidão do câncer, não se restringe
aos saudáveis, àqueles que não podem parar suas vidas para nos dar carinho e
atenção. Percebo que os próprios pacientes, de Mieloma Múltiplo (salvo raras
exceções), são pouco solidários, pouco atuantes, pouco sensíveis ao outro e não
sabem o que é união, luta, “trabalho de formiga”. Todos colocam seus nomes em
uma lista de contatos, dizem que querem participar de um grupo de apoio, mas
não respondem aos e-mails, ignoram as tentativas de fazer um abaixo assinado
para aprovação de importante medicamento no país. É estranho, porque enviam
e-mails de piadas, bobagens mil, mas quando se trata de coisa séria, de nossa
vida, de nossa saúde, salve-se quem puder.
Claro que existem ÓTIMOS pacientes, poucos,
mas existem. Estes são parceiros, compartilham os bons e maus momentos.
Aos médicos: Extensivo aos profissionais da
saúde.
Em relação aos médicos, seria incrível ter um
médico que me tratasse com carinho, não falo de educação, sorrisos e apertos de
mão. Falo de um médico que visse meu coração, que ao auscultar meu pulmão,
percebesse meus sentimentos. Achas que estou querendo de mais, né? Tudo bem, eu
também já cheguei a esta conclusão. Então, por favor, que sejam competentes,
tecnicamente, que não sejam negligentes comigo, nem com ninguém. Ok! Se não
conseguem ser verdadeiramente carinhosos, o que seria perfeito, pelo menos,
escute seus pacientes: Investiguem suas queixas e busquem um diagnóstico;
Depois, amparem os pacientes no momento de dizer que eles têm um câncer
incurável, diga que todo o esforço será feito para que eles vivam; E por
último, esclareçam aos pacientes e familiares, sobre a doença. Retornem e-mails
e telefonemas, nenhum paciente quer bater papo. Não deixe que seus pacientes
fiquem constrangidos, quando precisam lhes telefonar ou enviar e-mail,
solicitando informação. E, POR FAVOR: lavem as mãos antes de examinarem seus
pacientes.
Este apelo, de cuidados com a higiene, se
estende aos profissionais da saúde, principalmente, auxiliares e enfermeiros.
Certa vez, fiz uma reclamação, sobre a falta
de higiene e cuidados básicos, em uma sala de infusão, e a médica responsável
pelo setor me respondeu: “erros acontecem, não deveriam, mas acontecem”.
Eu respondi: Erro em medicina é sinônimo de
morte.
Como estou hoje: Maio de 2012.
Após alguns ciclos da quimioterapia com
Velcade + Dexametasona, meu pico monoclonal voltou a subir. Outro momento
tenso. Fiz uma biópsia, 40% infiltração de plasmócitos.
Dois meses depois, novo protocolo: Velcade +
Dexametasona + Ciclofosfamida. O resultado da eletroforese de proteínas
demonstrou que a doença está em progressão.
Agora estou entrando na justiça, para
receber, por meu Plano de saúde, o REVLIMID, que poderá me manter viva,
contendo por mais tempo a progressão do câncer.
Não sei se viverei muito, ou pouco, não sei
muita coisa.
Neste momento em que escrevo estas últimas
linhas, pouco vejo as teclas, pois não consigo parar de chorar. Às vezes
reviver uma dor, é duplamente dolorido, mas tudo que aqui está relatado é minha
verdade, é o que vivi. Se tiver mágoa, tristeza e sofrimento, é real, passei
muitos anos, sendo a preguiçosa e “fraquinha”, depois passei a ser a doente.
Mas tem muitas coisas boas nestas linhas, tem
“aqueles” familiares que me dão amor, e estão comigo: Irmãos, sobrinhos, tios,
tias, primos, cunhadas. Têm os poucos, mas verdadeiros, amigos, que telefonam,
enviam e-mail e me transmitem carinho: Beth, minha amiga da faculdade, Alba e
Isidoro, pais de meu aluno Felipe, que morreu com leucemia, aos seis anos de
idade. As duas “Cidas”, uma técnica em radiologia, e outra secretária de minha
ginecologista, sempre atenciosas comigo. A Gisa, que trabalhou comigo, quando
eu era professora. A Silmara, que foi colega de trabalho do Gou, hoje, ela e a
família, se tornaram nossos amigos. A Luana, o Júnior e todos da célula, que
oram por nós. Fiz amigos (quase íntimos) pela internet, nuca os vi
pessoalmente, mas compartilho com eles o momento mais importante de minha vida:
a luta para me manter viva! Agradeço o carinho da Rosa Shirley, seus e-mails
contando, deliciosamente, o seu dia e os almoços de domingo, e pelas dicas,
preciosas no pós TMO. Foi minha primeira amiga virtual, também transplantada,
com quem me sinto “em casa”. A Maria Carmen, professora universitária, cunhada
de uma tia minha. Ela trabalhou com oncologia e sempre me deu muitas dicas, de
como me cuidar. Telefona para mim, cuida de mim, e melhor: me chama de
“menina”. Estou grisalha e um tanto abatida, nesses casos, menina é ótimo, né?
O Imbert, de Jataí / Goiás, ele e sua mulher, Elizangela, logo se tornaram
nossos amigos, e tenho aprendido muito com eles. O Bruzzi, que como não me
conhece muito, parece gostar muito mim. Ah, e a Francisca esposa dele, também.
São carinhosos e atenciosos comigo. Tomara que quando me conhecerem melhor
continuem gostando de mim. A convivência mostra um lado, que a internet, deixa
escondidinho, Rsrsrs.
Tem o meu AMOR, o Gou, meu MARDIO,
companheiro de todos os momentos, que me faz sentir que ser mulher, com ou sem
cabelo, com ou sem câncer, com ou sem muitas coisas, é sempre possível.
A possibilidade da morte parece irreal e, ao
mesmo tempo, tão perto. Pensar em nunca mais ver o Gou e as pessoas que amo,
causa uma dor DILACERANTE.
Propus um pacto ao MM. Que ele fique
quietinho, e viva mancinho dentro de mim. Pois se eu morrer, ele morre também.
Peço a Deus para viver, se sou merecedora da
vida ou não, é outra história. Quem sabe um dia, eu publique histórias mais
antigas, escritas antes do câncer. E talvez, juntos, cheguemos à conclusão que
meu querido amigo Imbert, chegou: “Então, a pergunta certa não é por que eu,
mas por que não eu?”
Gimeni.
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